sábado, 15 de maio de 2010

A receita para um Sport Lisboa e Benfica campeão

A crónica que faltava. Passados os festejos, importa argumentar sobre quais os principais factores que levaram o Benfica a conquistar o seu 32.º título nacional. Vários foram os aspectos a concorrer positivamente para o sucesso. Cada qual com o seu grau de importância, porém fazendo parte de uma pluralidade de vontades de sentido único. Gosto de pensar que cada peça humana desempenha a sua função tendo por objectivo contribuir para o bem de uma máquina colectiva que tem tanto de sedutora como de indomável. Trabalhar para um fim comum - transformar e tornar o clube campeão - pode ser uma tarefa hercúlea, tal a diversidade de obstáculos que surgem pelo extenso caminho de 30 jornadas. E Pluribus Unum.

Quando neste emaranhado desportivo algo fracassa, a montante ou a juzante, os golos, as vitórias e as vitórias tardam em aparecer. Querem exemplos? Reparem como o arrojado projecto 'galáctico' falha quando a constituição do plantel não é feita de modo equilibrado e homogéneo. Observem como o AC Milan claudica nos seus objectivos quando um treinador impreparado não consegue tirar partido da matéria-prima futebolística ao seu dispor. Vejam como o Liverpool falha nos seus intentos quando uma notória intranquilidade directiva influencia negativamente os acontecimentos no relvado. Para uma receita de sucesso, todos os ingredientes disponíveis são necessários para o propósito inicial e final: a conquista de troféus. É sobre isso que irei reflectir, nas próximas linhas.

Presidente
Luís Filipe Vieira é o rosto da metamorfose. Cumprido o plano de reestruturação financeira, a promessa de aposta no futebol foi executada dentro de um plano desportivo ambicioso e corajoso. Chamando a si a liderança desse projecto arriscado, desde cedo o presidente geriu muito bem os timings mediáticos, sabendo quando, onde e como o conteúdo dos seus discursos deviam ser comunicados. O prestigío da marca Benfica foi recuperado, a obra patrimonial foi apresentada e a metamorfose desportiva alcançou o seu desígnio principal, com o escudo de campeão 2009/10. Aceites e corrigidos erros anteriores, o próximo desafio encontra-se ligado à reconquista da hegemonia nacional e ao projecto social - Fundação e Museu do clube.

Director Desportivo
Rui Costa é o rosto do carisma e da mística. É o coração do Benfica. Algumas vezes menosprezado, inclusive inferiorizado internamente, o director desportivo é mais do que a sua função deixa adivinhar. Ele Costa representa o cimento que solidifica o edifício do futebol, ao fazer a ligação entre jogadores, equipa técnica e responsáveis da SAD. Para além disso, Rui Costa é o elo essencial de comunicação (quase telepática) entre as vontades da estrutura encarnada e os desejos de sócios e simpatizantes. Sem qualquer margem para dúvidas, o director desportivo age, pensa e sente como se fosse um qualquer adepto incógnito. Como nós, que estamos do lado de cá. Sempre presente.

Administração da SAD
No topo da pirâmide hierárquica, junto a Luís Filipe Viera, Rui Costa, e outros administradores da SAD, há que realçar o papel de Domingos Soares de Oliveira. Depois de alguns anos sem as receitas provenientes da Champions League e com menor retorno resultante da venda de activos, o caminho a ser traçado mostrava duas vias: (i) política restritiva, 'emagrecendo' a qualidade do plantel para que rácios financeiros sejam respeitados; (ii) política expansionista, 'engordando' a equipa de mais-valias desportivas mesmo prejudicando o equilíbrio das peças contabilísticas. A cabeça pensante na vertente financeira merece crédito na forma como a política desportiva foi implementada: as 'pérolas' futebolísticas foram mantidas e, passados estes meses, comprova-se que a aposta no investimento (Javi García, Ramires, Saviola, entre outros) foi claramente bem sucedida.

Comunicação
Conceito nem sempre bem interpretado publicamente e, em diversas ocasiões, esquecido e ignorado em relação a outras prioridades. Nesta sociedade aberta à informação, e sob a pressão constante da comunicação social, a voz do clube é deveras importante. No singular. Por outras palavras, a voz institucional do clube, de dentro para fora, deve ser sincera e unificadora. Felizmente, no organigrama do Benfica, do presidente ao treinador, a passagem da mensagem chegou audível e limpa de interferências. Assim, o 'feed-back', de fora para dentro, seguiu nos canais de informação ajustados e todos, de jogadores a adeptos, souberam entender o que estava em causa - a conquista do 32.º título nacional.

Treinador
Jorge Jesus foi o rosto da transformação. Graças à sua psicologia agressiva (positiva) e sagacidade táctica, os atletas jogaram o dobro e encantaram o triplo. O treinador foi uma espécie de 'Neo', neste 'Matrix' tão complicado e sui generis que é o futebol português. Não tivesse sido Jorge Jesus o 'escolhido' e, provavelmente, não estaria a escrever este artigo. Juntamente com a restante equipa técnica, homens de competência assinalável, a equipa do Benfica, no relvado, semana após semana, transformou-se num conjuno de 11 heróis capazes de proporcionarem as maiores alegrias. A estatística também não deixa mentir: sob a batuta de Jorge Jesus, o clube atingiu marcas verdadeiramente impressionantes, principalmente ao nível de golos concretizados. Podíamos ter sido campeões com outro treinador? Nunca se irá saber. Mas, não era a mesma coisa.

Plantel
Sem ovos não se fazem omeletas. Todos conhecemos este provérbio e reconhecemos a sua evidência. Traçando um paralelismo em termos industriais, podem-se ter as melhores infra-estruturas, os melhores engenheiros e técnicos, as máquinas melhor equipadas, mas se a matéria-prima não respeita os suficientes padrões de qualidade, o produto acabado não terá aceitação junto do consumidor final. A verdade é que a equipa do Benfica demonstrou o enorme mérito no sublinhar de todas as folhas de produção, utrapassando adversidades com grande categoria e classe. Tal como já tive oportunidade de escrever anteriormente, a receita do sucesso não teria sido praticável sem os ingredientes certos: a garra do Maxi Pereira, a liderança do Luisão, a mística do David Luiz, a irreverência do Fábio Coentrão, a força do Javi García, o benfiquismo do Ruben Amorim, o esforço do Ramires, os remates do Carlos Martins, os dribles do Di Maria, a qualidade técnica do Aimar, a utilidade do Weldon, a inteligência do Saviola, os golos do Cardozo, entre outros.

Adeptos
Num plano diferente da estrutura institucional, gosto de pensar que a 'onda vermelha' contribui decisivamente para as finalidade comuns desenhadas por quem tem a responsalidade de liderar, de gerir, de comunicar, de treinar, de jogar. Na temporada que passou, também os adeptos bateram recordes de assistência: o bom futebol praticado pela equipa encarnada atraiu mais de um milhão de espectadores ao Estádio da Luz que registou uma média de 42.845 espectadores por jogo. Contudo, os sócios e simpatizantes encarnados não se limitaram à 'Catedral', pois a equipa de futebol arrastou consigo milhares de adeptos por todos os estádios do país onde jogou, esgotando a lotação de recintos normalmente vazios. Por fim, mais do que olhar para os números de fidelidade clubística, prefiro enaltecer a alegria, o carinho, a energia, a força, o interesse, a lealdade, a paixão e a mais completa entrega de todos os benfiquistas, a qualquer hora em que qualquer lugar. No fundo, gosto de pensar que eu, e o leitor que me acompanhou nesta crónica, também fazemos parte da receita para um Sport Lisboa e Benfica campeão.

1 comentário:

apenasfutebol disse...

Caro amigo,


Como eu gostava de me sentir verdadeiramente embalado por este muito bem "esgalhado" texto. Só que na verdade não sou capaz de me deixar embalar por tão risonha perspectiva...

Para mim, a grande, aliás, a única receita tem um nome: Jorge Jesus. Quanto ao resto tudo se mantém, de uma maneira geral, igual às quatro épocas anteriores. Desde a enorme e inigualável capacidade de mobilização dos adeptos à fraca competência presidencial para as questões do foro meramente desportivo - algo que, naturalmente, fica dissimulado com um tiro certeiro na pessoa certeira para liderar o projecto, essa, a da receita...

Abraço