Gosto de pensar numa equipa de futebol como se fosse um organismo vivo. Olhar para os jogadores como diferentes orgãos (partes) de uma inteligência superior (todo). Em linguagem clínica, quando um número considerável dessas partes não funcionam da melhor forma, o todo ressente-se e, em situações críticas, fica doente.
Por conseguinte, Quique Flores é como se fosse um médico que trata do seu paciente, leia-se equipa de futebol. Por aquilo que se tem visto, alguns orgãos (jogadores) estão de perfeita saúde, mas outros necessitam de supervisão cuidada. Na verdade, este organismo vivo sente-se saudável quando tem a posse de bola, mas ainda demonstra tendência a constipar-se quando tem de a conquistar. Tal como afirmou o treinador espanhol, este 'corpo' encontra-se em crescimento e tarda a atingir a perfeição.
Quais são, então, os pontos mais vulneráveis do organismo chamado Benfica?
Defesa em linha: subida no terreno ou em bloco médio-baixo?
Se fosse treinador do próximo adversário do clube encarnado (excepção feita a Lito Vidigal, por motivos óbvios), tentaria aproveitar as oportunidades concedidas pela fórmula da defesa em linha. Recentemente, escrevi sobre este assunto, mas vou procurar acrescentar novos tópicos de discussão.
Não sei até que ponto Quique Flores já domina a língua portuguesa, mas alguém lhe devia explicar a máxima «puxam a manta para um lado e destapam do outro». Por outras palavras, explica-se da seguinte forma: (i) quando a linha defensiva situa-se num bloco médio-baixo, ganha em segurança (Luisão domina o espaço aéreo), mas perde na ligação com o meio-campo e/ou consequente recuo da equipa; e, (ii) quando a linha defensiva sobe no terreno, perde no espaço atrás do quarteto mais recuado (Luisão e restantes companheiro não primam pela velocidade), mas ganha na interligação dos sectores e na hipótese da equipa apostar na pressão alta.
Como a imagem exemplifica, existem espaços defensivos mais vitais que outros: da zona perigosa, a vermelho, passando pela intermédia, a laranja, até à de menor risco, a amarelo. O princípio é simples: quanto mais a bola se aproxima do espaço central, e da baliza, mais atenção requer em termos de posicionamento e marcação. Assim, do ponto de vista estratégico, não esquecendo o corredor entre o central e o lateral, será natural que os adversários do Benfica tentem aproveitar a zona de terreno a vermelho, com a inclusão de avançados habilidosos e velozes. No fundo, utilizar a mesma arma que Quique Flores utilizou em Guimarães.
Meio-campo: como impedir a quebra do 4x4x2 em 4x2x4?
Mais uma vez, se hipoteticamente fosse o máximo responsável de um clube da Liga Sagres, teria consciência que o esquema clássico implementado por Quique Flores tem tendência a desmembrar-se, consoante a escolha dos intérpretes que jogam nos flancos. Em tempos, também escrevi sobre este tema, mas irei desenvolver novas ideias para debate.
Sem deixar de elogiar as convicções tácticas de Quique Flores, até porque não vejo razões para travar o crescimento do 4x4x2 clássico, é importante escolher e preparar as melhores unidades que dêem expressão ao modelo de jogo. As desvantagens deste sistema ficam mais visíveis quando coexistem dois médios-ala de características mais ofensivas, como Balboa, Di María, Reyes e Urreta, salientando-se duas circunstâncias: (i) a dupla central de meio-campo, constituída por Katsouranis e Yebda, fica obrigada a enorme desgaste nos movimentos de pressão e nos processos de recuperação; e, (ii) no caso da linha defensiva posicionar-se num bloco médio-baixo, a ligação entre os sectores vai-se perdendo e, invariavelmente, a equipa acaba por desequilibrar-se num 4x2x4 pouco sólido.
A solução não passa, necessariamente, por outro sistema, mas por uma gestão estratégica mais detalhada. Deste modo, o treinador espanhol pode lidar com algumas imperfeições através de uma de duas alternativas. Em primeiro lugar, mesmo conhecendo os riscos, proporcionar o adiantamento da defesa, permitindo maior ligação entre os sectores e potenciando a recuperação de bola em zonas mais perto da área adversária (zona pressionante alta, em bloco). Em segundo lugar, incutir e treinar os homens do meio-campo ofensivo nas questões relacionadas com a transição defensiva, procurando elevar os índices de agressividade, de concentração, de posicionamento e de sentido colectivo.
Notas finais
Em certos momentos, o treinador espanhol pode parecer um ilusionista. Um mestre do disfarce. Dito de outra forma, pode 'mascarar' a equipa, escondendo as suas principais imperfeições. Contudo, não ter optado pela prontidão de uma cirurgia plástica é sinal que merece ser elogiado. Louve-se, portanto, a atitude de Quique Flores, ao escolher percorrer um caminho mais acidentado. Exactamente aquele que exige a ultrapassagem de obstáculos inerentes à criação e crescimento de uma equipa de futebol. Como se este organismo vivo precisasse de ser alimentado com competência e profissionalismo, educado no sentido de corrigir os seus defeitos e abraçado à medida que vence os seus próprios desafios.
Por conseguinte, Quique Flores é como se fosse um médico que trata do seu paciente, leia-se equipa de futebol. Por aquilo que se tem visto, alguns orgãos (jogadores) estão de perfeita saúde, mas outros necessitam de supervisão cuidada. Na verdade, este organismo vivo sente-se saudável quando tem a posse de bola, mas ainda demonstra tendência a constipar-se quando tem de a conquistar. Tal como afirmou o treinador espanhol, este 'corpo' encontra-se em crescimento e tarda a atingir a perfeição.
Quais são, então, os pontos mais vulneráveis do organismo chamado Benfica?
Defesa em linha: subida no terreno ou em bloco médio-baixo?
Se fosse treinador do próximo adversário do clube encarnado (excepção feita a Lito Vidigal, por motivos óbvios), tentaria aproveitar as oportunidades concedidas pela fórmula da defesa em linha. Recentemente, escrevi sobre este assunto, mas vou procurar acrescentar novos tópicos de discussão.
Não sei até que ponto Quique Flores já domina a língua portuguesa, mas alguém lhe devia explicar a máxima «puxam a manta para um lado e destapam do outro». Por outras palavras, explica-se da seguinte forma: (i) quando a linha defensiva situa-se num bloco médio-baixo, ganha em segurança (Luisão domina o espaço aéreo), mas perde na ligação com o meio-campo e/ou consequente recuo da equipa; e, (ii) quando a linha defensiva sobe no terreno, perde no espaço atrás do quarteto mais recuado (Luisão e restantes companheiro não primam pela velocidade), mas ganha na interligação dos sectores e na hipótese da equipa apostar na pressão alta.
Como a imagem exemplifica, existem espaços defensivos mais vitais que outros: da zona perigosa, a vermelho, passando pela intermédia, a laranja, até à de menor risco, a amarelo. O princípio é simples: quanto mais a bola se aproxima do espaço central, e da baliza, mais atenção requer em termos de posicionamento e marcação. Assim, do ponto de vista estratégico, não esquecendo o corredor entre o central e o lateral, será natural que os adversários do Benfica tentem aproveitar a zona de terreno a vermelho, com a inclusão de avançados habilidosos e velozes. No fundo, utilizar a mesma arma que Quique Flores utilizou em Guimarães.
Meio-campo: como impedir a quebra do 4x4x2 em 4x2x4?
Mais uma vez, se hipoteticamente fosse o máximo responsável de um clube da Liga Sagres, teria consciência que o esquema clássico implementado por Quique Flores tem tendência a desmembrar-se, consoante a escolha dos intérpretes que jogam nos flancos. Em tempos, também escrevi sobre este tema, mas irei desenvolver novas ideias para debate.
Sem deixar de elogiar as convicções tácticas de Quique Flores, até porque não vejo razões para travar o crescimento do 4x4x2 clássico, é importante escolher e preparar as melhores unidades que dêem expressão ao modelo de jogo. As desvantagens deste sistema ficam mais visíveis quando coexistem dois médios-ala de características mais ofensivas, como Balboa, Di María, Reyes e Urreta, salientando-se duas circunstâncias: (i) a dupla central de meio-campo, constituída por Katsouranis e Yebda, fica obrigada a enorme desgaste nos movimentos de pressão e nos processos de recuperação; e, (ii) no caso da linha defensiva posicionar-se num bloco médio-baixo, a ligação entre os sectores vai-se perdendo e, invariavelmente, a equipa acaba por desequilibrar-se num 4x2x4 pouco sólido.
A solução não passa, necessariamente, por outro sistema, mas por uma gestão estratégica mais detalhada. Deste modo, o treinador espanhol pode lidar com algumas imperfeições através de uma de duas alternativas. Em primeiro lugar, mesmo conhecendo os riscos, proporcionar o adiantamento da defesa, permitindo maior ligação entre os sectores e potenciando a recuperação de bola em zonas mais perto da área adversária (zona pressionante alta, em bloco). Em segundo lugar, incutir e treinar os homens do meio-campo ofensivo nas questões relacionadas com a transição defensiva, procurando elevar os índices de agressividade, de concentração, de posicionamento e de sentido colectivo.
Notas finais
Em certos momentos, o treinador espanhol pode parecer um ilusionista. Um mestre do disfarce. Dito de outra forma, pode 'mascarar' a equipa, escondendo as suas principais imperfeições. Contudo, não ter optado pela prontidão de uma cirurgia plástica é sinal que merece ser elogiado. Louve-se, portanto, a atitude de Quique Flores, ao escolher percorrer um caminho mais acidentado. Exactamente aquele que exige a ultrapassagem de obstáculos inerentes à criação e crescimento de uma equipa de futebol. Como se este organismo vivo precisasse de ser alimentado com competência e profissionalismo, educado no sentido de corrigir os seus defeitos e abraçado à medida que vence os seus próprios desafios.
5 comentários:
Boas!
Antes de mais, acho que é a primeira vez que comento este blog, excelente trabalho que tens realizado ao longo do tempo neste espaço. Sempre muito bem escrito, com analises muito interessantes.
Parabéns por isso!
Quanto a analise feita, não sei se me escapou, mas acho que podias ter falado por alto do espaço entre linhas que se cria quando é criado aquele "gap" entre os 2 sectores mais recuados.
Os adversários do Benfica têm tentado explorar 2 pontos, o espaço atrás das costas dos defesas, deixado pelo adiantar do bloco para pressionar ( e bem ) alto, como foi o caso do Sporting que basicamente.. só tentou fazer isso.
O outro ponto é o espaço entre linhas. Muitas vezes o avançado deixa a marcação dos centrais e aparece no espaço entre os mesmos e os médio centro. Fica ali numa zona "de ninguém" causando problemas na definição da marcação e já sofremos um ou outro golo ai. O central sobe para o marcar e cria-se um buraco. Ou porque o lateral não fechou, ou porque os restantes elementos da defesa não acompanharam a subida.
Como e muito bem referiste, o ensino e adopção de comportamentos leva bastante tempo. Até as coisas estarem como Quique as idealizou ainda falta bastante tempo, e é a resolução dos problemas que faz com que o grupo acredite, e se torne mais coeso.
Mais uma vez, MUITO bom post!
Abraço
Excelente post, como é habitual.
Concordo com a generalidade do que é dito, só discordo (ou então entendi mal) da ideia de que o Quique tem mantido o mesmo figurino táctico ao longo do tempo. Não acho que se deva ou possa falar num 442 clássico quando um dos jogadores dos 4 de meio-campo, neste caso o Amorim (ou Martins), é claramente um interior, em detrimento de ser um ala puro. Essa "nuance" transforma o sistema; dêem-lhe o nome que quiserem, mas com esse pormenor o Benfica deixa de jogar num clássico 442 porque não mete na direita o mesmo tipo de jogador e os mesmos princípios de jogo que procura na esquerda. Atenção que eu acho que o Quique faz muito bem em emendar a mão e manter esta estratégia - pelo menos até termos no plantel algum ala puro que entenda o jogo de uma forma mais inteligente, à direita do meio-campo.
Por isto que digo, não acho que se deva louvar tanto a insistência (ou a falta dela) de Quique no mesmo figurino táctico, mas sim insistir no elogio, mais do que às questões do modelo, à capacidade de adaptar ao longo do tempo as suas ideias às virtudes (e, por agora, deficiências) dos jogadores que tem ao seu dispôr. Parece-me que o espanhol ainda não assentou definitivamente A ideologia sobre o 11 a adoptar, mas cada vez chega mais perto (a tentativa de uma espécie de 442 losango contra o Aves parece-me dificilmente repetível, ainda que me agrade a ideia).
Neste momento, o meu onze passa necessariamente por estes jogadores:
Quim
Maxi, Luisão, Sidnei, Ribeiro(Léo)
Amorim, Yebda (Martins), Katsou, Reyes
Aimar
Suazo
Abraço!
Bruno Pereira,
Obrigado pelos elogios. Parecendo que não, é sempre bom registar que há quem aprecie o que escrevemos. Fica à vontade para comentar, sempre que queiras. É para isso que aqui estamos.
Quanto ao artigo propriamente dito, vou procurar desenvolver essa questão sobre o espaço entre linhas.
A certa altura, no meu texto, toquei nesse ponto, quando escrevi (...)(i) a dupla central de meio-campo, constituída por Katsouranis e Yebda, fica obrigada a enorme desgaste nos movimentos de pressão e nos processos de recuperação; e, (ii) no caso da linha defensiva posicionar-se num bloco médio-baixo, a ligação entre os sectores vai-se perdendo e, invariavelmente, a equipa acaba por desequilibrar-se num 4x2x4 pouco sólido.
Como apontaste, e muito bem, essa zona "de ninguém" torna-se visível nas duas linhas de quarto homens. Tanto a defesa, como o meio-campo, jogando de perfil, deixam canais de penetração abertos que podem deixar espaço para o adversário explorar a saída de bola.
Um dos exemplos mais recorrentes é o espaço entre o lateral e o central do mesmo lado. Talvez seja uma das razões para Léo ter perdido a titularidade para Jorge Ribeiro.
Nesse aspecto, também por vezes a dupla Katsouranis e Yebda fica demasiado exposta a um médio de construção, apesar do grego posicionar-se mais à frente dos centrais e o franco-argelino soltar-se para tarefas de pressão. Outro exemplo visível desta forma de jogar deu-se com o desempenho do brasileiro Lincoln, jogando entre-linhas, aquando da visita do Galatasaray.
Abraço e comenta sempre!
Ricardo,
Eu é que agradeço os comentários pertinentes, como é habitual.
A crítica, se é que podemos utilizar a palavra, vai mesmo de encontro às escolhas de Quique Flores em relação aos jogadores que se posicionam junto à linha. O treinador espanhol ainda anda à procura da fórmula certa, pois jogar com Ruben Amorim/Carlos Martins, à direita, é bem diferente do que actuar com Di María/Balboa/Urreta. Uma dúvida relacionada com a simetria. Como tu bem escreveste aqui:
http://ontemvi-tenoestadiodaluz.blogspot.com/2008/10/puta-da-simetria-ou-serei-obsessivo.html
Por exemplo, não tenho nada a apontar ao teu onze. A meu ver, é aquele que mais equilibra a equipa, principalmente nos movimentos de transição. Ruben Amorim, à direita, pela facilidade em funcionar como interior, permite uma melhor ligação entre sectores e proporciona a necessária consistência nas acções de posse e conquista de bola. Quanto a isso, nada a dizer. Depois, a dupla será aquela que melhor se complementa, para além da elevada qualidade individual dos nomes citados.
Posto isto, quando falo em 4x4x2 clássico, refiro-me às situações em que Quique Flores opta pela inclusão dos tais quatro médios-ala ofensivos, correndo o risco da equipa partir-se num 4x2x4 pouco sólido. No futuro, posso aceitar que o Benfica tenha a devida capacidade para realizar uma pressão alta e os dois box-to-box centrais cheguem para as encomendas. Porém, julgo que esse momento ainda está longe e só poderá ser resolvido de três formas:
1. Subir a linha defensiva, para que o 4x4x2 se assemelhe a um autêntico rolo compressor.
2. Incutir/treinar os médios-ala para índices mais elevados ao nível da agressividade, concentração, marcação, recuperação, outros atributos que adicionem equilíbrio na transição defensiva
3. Apostar no 4x4x2 asimétrico, tal como já presenciámos esta temporada.
Abraço.
Adenda:
Depois, a dupla atacante será aquela que melhor se complementa, para além da elevada qualidade individual dos nomes citados.
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