sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Como deve o Benfica jogar no Dragão?

Na contagem decrescente para a partida do dragão, impõe-se a seguinte interrogação: será o jogo decisivo para o desfecho da Liga Sagres? Depende. A resposta só é afirmativa no caso da vitória sorrir ao FC Porto. Nesse cenário, os actuais detentores do troféu dilatariam o avanço, sobre o rival, para além de beneficiarem do confronto directo, em caso de igualdade, mercê do empate registado na Luz.

O treino como fotograma do «jogar»

Nestes encontros, tornou-se hábito afirmar que o vencedor será aquele que melhor controlar o factor imprevisibilidade. O tópico sobre o domínio dos detalhes – físico, mental, táctico e técnico – pode ser encarado como a gestão eficaz dos pormenores: a importância de uma bola parada ou um momento de desconcentração na transição defensiva, entre outras circunstâncias ditadas pelo desenrolar da própria partida. Apesar do âmbito natural dos treinadores ser um espaço limitado, quanto mais situações particulares forem treinadas, menor será a influência deste factor.

Chave do clássico

No meu entender, a chave do clássico está em...Quique Flores! Do lado do campeão nacional, a imprevisibilidade, positiva ou negativa, encontra-se, cada vez mais, dominada pela maturidade táctica trabalhada por Jesualdo Ferreira. Ao contrário, no Benfica, o grupo depende, em demasia, da inspiração e talento das individualidades. Cabe ao treinador espanhol reduzir o impacto associado ao que commumente se denomina de sorte e azar, levando a equipa a assimilar índices elevados de confiança, consistência e personalidade.

Lado mental ou táctico?

Deste modo, para a nação benfiquista, as decisões protagonizadas por Quique Flores podem representar a ténue diferença entre o ponto de ebulição ou o arrefecimento dos níveis de euforia. Em primeiro lugar, as escolhas técnicas: quem fará parte do onze titular? Miguel Vítor ou Sidnei? Carlos Martins ou Yebda? Di María ou Reyes? Cardozo ou Suazo? Em segundo lugar, como conciliar uma estratégia de contra-ataque com um discurso ambicioso? A meu ver, reside aqui a questão fundamental: como será Quique capaz de motivar e tranquilizar os seus jogadores, sabendo-se que a mensagem para o exterior, plena de convicção e modernidade, nem sempre se coaduna com o real comportamento no relvado, assente em linhas posicionadas num bloco médio-baixo e excesivamente dependente da aposta na velocidade de Suazo, com passes em profundidade? Conflito entre o lado mental e a vertente táctica.

Um olhar sobre os passos do dragão

Sem pôr de parte uma pitada de seriedade, esta secção tem um registo mais irónico. A ideia é imaginar um conjunto de enunciados transmitidos directamente a Quique Flores. Uma espécie de conversa fictícia, completamente orientada para a 2.ª pessoa do singular. Poderia ser, mais ou menos, uma coisa do género...

Quique, como o Diamantino já te explicou, o FC Porto tem construído a sua "casa" táctica à volta do 4x1x3x2. Os jogadores, e posições respectivas, já conheces. Basta lembrares-te daqueles que não coleccionaram bilhete de comboio: Fucile, Rolando, Bruno Alves e Cisskho, no quarteto defensivo; como tampão às investidas ofensivas do adversário, Fernando; mais à frente, um trio constituído por Lucho González, Raul Meireles e Cristián Rodríguez; por fim, na zona de finalização, a dupla formada por Hulk e Lisandro. Suponho que, até aqui, estás a acompanhar.

a) O FC Porto, com bola

Quique, a parte que se segue é importante. Por esta altura, já reconheces as deficiências da tua equipa, logo deves prever que o adversário procure atacar os nossos pontos fracos. Um deles, tem a ver com a maior liberdade concedida a Maxi Pereira. Eles podem aproveitar esse espaço nas costas, caindo do lado de Luisão que, já de si, não prima pela velocidade de reacção. É natural que Hulk pise esses terrenos e há que tomar cuidados acrescidos. O outro, está relacionado com o excessivo espaço entre os jogadores encarnados, principalmente na zona do meio-campo. Bem sei que o Ruben Amorim interioriza e dá um apoio fundamental, mas é prevísivel que Lucho e Rodríguez tentem forçar o eixo central. Portanto, muita atenção à forma como a equipa pressiona em largura e à interligação dos diversos sectores.

b) O FC Porto, sem bola: versão 4x3x3

Quique, se calhar é melhor ires chamar o Paco que agora vão aparecer uns dibujos. Editando a imagem, até podes pensar nalguns melhoramentos: (i) se quiseres indicar os movimentos de transição, adicionas umas setas; (ii) se pretenderes representar a dinâmica dos jogadores, acrescentas uns raios de acção; e, (iii), caso queiras espelhar a forma como a zona deve ser interpretada, colocas zonas individuais de intervenção. Por fim, exportas o resultado final para powerpoint e vais ver que resulta. Bem, vamos ao que interessa?

Quique, quando o FC Porto não tem a posse de bola, pode optar por vários caminhos de pressão que melhor sirvam a tarefa de recuperação e consequente saída rápida para o ataque. Antes que possas retorquir - se o FC Porto actua, preferencialmente, num 4x1x3x2, porquê esta ilustração em 4x3x3? - adianto que Jesualdo Ferreira pode pensar neste esquema posicional, como forma de melhor distribuir os jogadores no relvado. Esta versão tem a particularidade de potenciar uma pressão média-alta, sendo muito agressiva no eixo central. A intenção será impedir a nossa saída de bola, asfixiando Yebda e Katsouranis. Quando assim acontecer, dá logo a instrução para a transição ofensiva seguir circuitos junto à linha, quer por intermédio de Maxi Pereira, quer através do apoio de David Luiz. Por razões ligadas a características individuais, Rodríguez, à esquerda, e Lisandro, à direita, nem sempre vão ter a disponibilidade física para acompanhar o lateral da sua faixa.

c) O FC Porto, sem bola: versão 4x1x3x2

Quique, chama o Paco outra vez que ainda não terminámos. O próximo dibujo, em termos meramente posicionais, oferece a perspectiva típica do FC Porto actual.

Neste cenário, o adversário procura a intensidade de um primeiro momento de pressão, sendo que Hulk cai no espaço entre Maxi Pereira e Luisão, enquanto Lisandro pisa os calcanhares de Miguel Vítor (Sidnei?) e David Luiz. Porém, ao contrário do que possa parecer, esta hipótese deixa maior margem de manobra para a dupla Yebda e Katsouranis saírem com a bola jogável. Inteligentemente, diga-se de passagem, será de esperar que caiba a Raul Meireles (e não a Rodríguez) a função de fechar o lado esquerdo, precavendo as subidas do nosso lateral uruguaio. Do lado oposto, Lucho não deixará de seguir os passos de David Luiz, mas num tipo de marcação menos vincado ao homem. Só mais um pormenor: toma nota que neste quadro, mal os jogadores do FC Porto recuperem a bola, já se encontram colocados nas suas posições naturais para desenvolverem a transição ofensiva.

Quique, penso que é tudo. O resto já deves dominar a preceito. De qualquer modo, podias imprimir este excerto do texto e ias a pensar nisto durante a viagem para o Porto. Se houver alguma dúvida, já sabes - o meu endereço de email está vísivel no profile. Fica à-vontade que eu deito-me tarde. O mais certo é estar por aqui a fazer uns dibujos, ok?

Nota final: Quique Flores em Valência

Vale a pena observar o percurso de Quique Flores, na altura treinador do Valência, nomeadamente quanto aos confrontos forasteiros com Barcelona e Real de Madrid.

Época 2005/06:
Barcelona 2-2 Valência
Real de Madrid 1-2 Valência

Época 2006/07:
Barcelona 1-1 Valência
Real de Madrid 2-1 Valência

Curioso. Em quatro visitas aos palcos dos rivais, só por uma vez Quique Flores sentiu o amargo da derrota. Outro dado interessante: o Valência nunca ficou em "branco". Vale o que vale, mas trata-se de um bom indício que não merece ser menosprezado. Pelos vistos, a estratégia de contra-ataque ainda deve conter atributos escondidos...

6 comentários:

Ricardo disse...

Excelente trabalho, Ricardo. E gostei especialmente das palavras (acertadíssimas, diga-se) de aconselhamento ao Quique! LOL Quem sabe se ele ou um seu adjunto não passam os olhos pelo Catenaccio? :)

Em relação ao jogo de Amanhã e a melhor forma de chegarmos ao sucesso:

acho que o Benfica deverá ser paciente na forma de abordar o jogo. Mais do que puxar o jogo para grandes intensidades (que, recordo, é onde o Porto se sente mais à vontade), e tendo em conta a forma como este Benfica ainda não consegue dominar um jogo de um modo categórico, a equipa deverá, nos primeiros 30/45 minutos, baixar a euforia com que o Porto vai entrar em campo, controlar as ofensivas portistas com uma pressão bem feita e, acima de tudo, fundamental nestes jogos, muita concentração, tanto na hora de atacar como na de defender.
Retirando o empolgamento incial ao Porto, aí sim, o Benfica deverá saber "enganar" o adversário; entrar na segunda parte fazendo crer ao Porto que vamos jogar em ataque continuado, forçando-os a acreditar que finalmente podem subir e atacar com mais riscos. Acredito que, fazendo isto, conseguiremos puxar o Porto para onde queremos: para espaços no nosso meio-campo, deixando o meio-campo deles com espaço suficiente para aplicarmos contra-ataques letais.
Não é uma estratégia bonita mas, tendo em conta a forma como esta equipa ainda não evoluiu e o próprio sistema de jogo de Quique, parece-me ser a que mais perto estará de ter algum sucesso.

Para isso, é importante:

- controlar as subidas de Fucile (Reyes terá de estar atento, defensivamente, mas também um dos médios defensivos)

- pressionar, de forma inteligente, a posse de bola do Fernando - ainda revela algumas lacunas na forma como decide, apesar de ter melhorado.

- com dois médios defensivos, terá de haver uma ajuda clara de um dos avançados (muito provavelmente Aimar) para compensar a superioridade numérica do Porto no meio-campo. Além de Amorim, que terá um duplo ou triplo trabalho nesse jogo - muito se joga em Amorim.

- Como o Hulk ocupa espaços indefinidos (Jesualdo, em princípio, pô-lo-á no centro, no início do jogo), convém marcá-lo quem estiver na sua zona e não fazer um central desposicionar-se atrás do portista.

Ofensivamente:

- apostar na inexperiência de Chissokho. Por mim, punha Suazo na direita. Explorar essa faixa é um dos pontos mais altos e mais fáceis que teremos para chegar à área do Porto.

- fazer Aimar baixar uns metros. Deixá-lo ter bola e fazer rodar a equipa. Cardozo poderá ficar menos isolado com a aproximação dos faixas (Reyes e Suazo).

- Controlar a zona de meio-campo é essencial. Para isso, propunha ao Quique que se deixasse de uma linha horizontal e pusesse os jogares a defender em duas linhas, cortando as possibilidades de um passe vertical ultrapassar logo o meio-campo todo.

- Dar alguma liberdade a mais a Reyes na construção do jogo. Esperar dele concentração defensiva mas, na ofensiva, procurar que ele se movimente por todo o ataque, compensando-o quando necessário com o avançado ou com o médio do seu lado.

Para mim, o Benfica tem boas hipóteses de ganhar o jogo. Tem jogadores para isso e a forma como melhor se sente é exactamente com estas equipas, que atacam mais e deixam mais espaço atrás. No entanto, o Benfica sofre de um problema psicológico quando vai ao Dragão. É uma coisa inexplicável que nos faz sempre cometer erros estúpidos. Pode ser que, tendo 6 titulares que o ano passado nem faziam ideia do que era um Benfica-Porto, este ano esse factor não entre nas contas. E, se for esse o caso, será favorável não haver na equipa titular muita gente a entender o futebol português. Curiosamente.

Abraço!

Ricardo disse...

Ah esqueci-me de dizer a minha equipa:

Quim
Maxi Luisão M. Vítor D. Luiz
Amorim Katsouranis
Suazo Aimar Reyes
Cardozo

Catenaccio disse...

Tal como previa, o Quique raramente perde clássicos. E, só não ganhou porque, contra o Benfica, o FC Porto tem sempre um golo garantido. De penalty, pois claro...

Paulo Santos disse...

Por lapso, coloquei o comentário no sítio errado. Posto no devido sítio , agora.



"Tudo absolutamente válido. Mas sem Pedro Proença! Porque com ele em campo, tudo deixa de fazer sentido..."


Apesar de tudo, gostei da exibição e da atitude. Se continuar assim o Benfica, e o Porto também, com aquelas lacunas todas que ninguém quer ver, é de acreditar...




Abraço

Ricardo disse...

Mais um clássico sem perder de Quique, Ricardo!

E, sim, este era para ganhar, não fosse Proença e o seu "benfiquismo".

É curioso que aquilo de que falei (aspecto psicológico) também acabou por ser revelado. Em termos mentais, foi dos jogos do Benfica no Porto com mais qualidade.

Abraço!

Catenaccio disse...

Ricardo,

Não tive a oportunidade de responder, em tmepo útil, mas não poderia deixar de dizer que o teu comentário bem poderia ter feito entrada no teu blogue, como mais uma perspectiva de antevisão ao clássico.

Muito do que escreveste, fez e faz todo o sentido, ainda que fosse provável a apresentação daquele onze titular, com R. Amorim e Katsouranis no centro do campo. Penso que seria muito pouco para enfrentar as "tropas" adversárias, para além de ter ficado bem vincada a importância de um atleta como Yebda.

De resto, o clássico veio-me dar razão num aspecto: na confiança que mantenho nas competências de Quique Flores. Um treinador habituado a um futebol (Espanha) mais competitivo, com deslocações a Madrid e Barcelona, não poderia "tremer" na hora de visitar o Dragão. Embora muitas vezes possamos não concordar com determinadas escolhas técnicas e opções tácticas, a verdade é que devemos dar o benefício da dúvida a um homem que raramente perde um clássico e nunca deixa de marcar um golo. O problema é se do outro lado há sempre um penalty garantido...

Paulo,

Pois, assim é difícil!

Abraço.