A chamada de atenção partiu do consócio Americano, escriba do blogue Ontem vi-te no Estádio da Luz, com base num artigo publicado no 'Futebol Finance' sobre as novas regras para transferências e salários de jogadores de futebol.
Cronologia dos acontecimentos
No final de Janeiro, foi noticiado que a UEFA tinha encetado conversações com a European Club Association (ECA), no sentido de regulamentar a quantidade de verbas que cada clube pode despender em transferências e salários de jogadores. De acordo com um alto responsável da UEFA, a proposta dos maiores clubes Europeus sugeria que apenas fosse permitido aos clubes gastar 51% das suas receitas na aquisição de novos jogadores e nos seus salários.
No dia 10 de Fevereiro, a Assembleia Geral da ECA alcançou outros progressos significativos: (i) na protecção dada aquando da assinatura do primeiro contrato profissional, por parte de jovens talentos futebolísticos; e, (ii) na discussão sobre itens incluídos no artigo 17 da FIFA - Regulations on the Status and Transfer of Players.
Âmbito da proposta
Segundo a proposta da ECA (antigo G-16), as receitas elegíveis para apurar os 51% do montante de transferências são: bilheteira, patrocínios, merchandising e direitos televisivos. Todavia, as receitas não devem incluir nenhum investimento financeiro de proprietários ou accionistas dos clubes.
Sem querer abusar de uma linguagem demasiado técnica, creio ser útil adiantar alguns esclarecimentos.
Em primeiro lugar, há que distinguir os conceitos seguintes: receitas (reconhecimento da recepção de um valor em troca de um bem ou serviço cedido) respeitam a óptica financeira; proveitos (bens ou serviços acabados de produzir e aptos para venda) seguem a óptica económica; e, por fim, recebimentos (entradas de dinheiro) correspondem à óptica de tesouraria.
Em segundo lugar, no seguimento do anterior, acrescente-se que as receitas não se perfilam, necessariamente, como papel químico da época desportiva, existindo situações conhecidas de antecipação das mesmas, sendo os direitos televisivos o exemplo mais recorrente; numa perspectiva distinta, a demonstração de resultados líquidos espelha a concorrência entre os montantes contabilizados de custos e proveitos.
Pretendo, apenas, deixar bem vincado que o rácio de 51% das receitas elegíveis pode ser passível de manipulação financeira. Aquilo a que muitos costumam denominar de contabilidade criativa. Para os mais curiosos nestas matérias, informo que o Orgão de Gestão de Licenciamento, da Federação Portuguesa de Futebol, ocupa-se, entre outros tópicos, dos procedimentos de admissão dos clubes às competições da UEFA. O Manual de Licenciamento pode ser acedido aqui.
Caso prático para a realidade nacional
Tendo como suporte o Relatório & Contas Consolidado 2007/2008 da Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD para o período de 1 de Agosto de 2007 a 30 de Junho de 2008, atente-se nos seguintes valores de receita (em milhares de euros):
Proveitos Operacionais
Publicidade e patrocínios = 9.726
Transmissões televisivas = 8.409
Prémios das competições europeias = 7.883
Quotizações = 7.848
Receitas de bilheteira = 7.686
Cativos = 2.868
Merchandising = 2.470
Outros = 2.613
Total (sem considerar transacções de atletas) = 49.503 - 49,5 m€
Notas adicionais importantes, retiradas do Relatório & Contas:
1. "O Grupo reconhece, como proveitos, cerca de 75% do valor líquido das quotizações de Sócios, que são proveitos da Benfica SAD ao abrigo do contrato de cedências dos direitos de exploração do Complexo Desportivo, no período a que estas se reportam".
2. "As receitas e prémios de jogos são reconhecidos em proveitos no período em que estes são realizados".
3. "O Grupo reconhece as receitas relativas a publicidade, patrocínios e outros direitos de acordo com o período de vigência do respectivo contrato".
4. "Naturalmente, no médio e longo prazo, deverá ser obtido um crescimento muito significativo das receitas operacionais quando chegar o momento adequado para a renegociação dos direitos televisivos".
Voltemos ao artigo publicado no 'Futebol Finance'. Conforme análise do autor, validam-se os dados apresentados:
- 51% das receitas (leia-se proveitos operacionais) 2007/2008: 49,5 m€ x 51% = 25.2 m€
- Gasto em jogadores 2008/2009: 25,3 m€
Contudo, subsiste a dúvida em saber qual a decisão dos dois organismos em relação às aquisições feitas a prestações e à integração das receitas provenientes da quotização.
Lei "salva calcio"
Introduzido pelo governo italiano, o decreto-lei n.º 282 de 24 de Dezembro de 2002 deu origem à Lei "salva calcio" n.º 27 de 21 de Fevereiro de 2003. Stephen Morrow, professor na Universidade de Stirling - Department of Sports Studies - debruçou-se sobre o impacto contabilístico, na realidade do futebol italiano, das prerrogativas admitidas pelo "salva calcio". Inicialmente, o decreto foi adoptado por quinze clubes: sete da série A (incluindo Inter, Lazio, Milão e Roma) e oito da série B, segunda divisão. Em traços gerais, esta disposição legal permitia aos clubes estender o período de amortização inicial, associado ao contrato de um jogador profissional entendido como um activo intangível da organização. No caso do valor de mercado, de determinado atleta, sofrer uma perda no valor de realização, o correspondente efeito não seria registado na demonstração de resultados do exercício. Principal consequência: sem a introdução legal deste arranjo, existia o risco elevado de vários clubes enfrentarem um cenário de insolvência - onde as dívidas excederiam os activos - pois as sociedades desportivas não estariam em posição para fazer face às amortizações, no curto prazo. Apesar das boas intenções (e o mesmo pode suceder quanto ao regulamento anteriormente referido), este tratamento contabilístico não escapou a algumas vozes mais críticas: o suporte legal deu azo a que diversos clubes mantivessem uma actuação inadequada, no exercício da gestão financeira - acréscimo de activos, aumento da massa salarial e consequente ampliação dos custos com amortizações - cedendo à tentação de mascarar as peças contabilísticas divulgadas. O princípio era claro: os clubes, ao serem encorajados a transaccionar acima da sua sustentabilidade de longo prazo, procuravam atingir rácios financeiros que cumprissem com o sistema de licenciamento imposto pela UEFA.
Cronologia dos acontecimentos
No final de Janeiro, foi noticiado que a UEFA tinha encetado conversações com a European Club Association (ECA), no sentido de regulamentar a quantidade de verbas que cada clube pode despender em transferências e salários de jogadores. De acordo com um alto responsável da UEFA, a proposta dos maiores clubes Europeus sugeria que apenas fosse permitido aos clubes gastar 51% das suas receitas na aquisição de novos jogadores e nos seus salários.
No dia 10 de Fevereiro, a Assembleia Geral da ECA alcançou outros progressos significativos: (i) na protecção dada aquando da assinatura do primeiro contrato profissional, por parte de jovens talentos futebolísticos; e, (ii) na discussão sobre itens incluídos no artigo 17 da FIFA - Regulations on the Status and Transfer of Players.
Âmbito da proposta
Segundo a proposta da ECA (antigo G-16), as receitas elegíveis para apurar os 51% do montante de transferências são: bilheteira, patrocínios, merchandising e direitos televisivos. Todavia, as receitas não devem incluir nenhum investimento financeiro de proprietários ou accionistas dos clubes.
Sem querer abusar de uma linguagem demasiado técnica, creio ser útil adiantar alguns esclarecimentos.
Em primeiro lugar, há que distinguir os conceitos seguintes: receitas (reconhecimento da recepção de um valor em troca de um bem ou serviço cedido) respeitam a óptica financeira; proveitos (bens ou serviços acabados de produzir e aptos para venda) seguem a óptica económica; e, por fim, recebimentos (entradas de dinheiro) correspondem à óptica de tesouraria.
Em segundo lugar, no seguimento do anterior, acrescente-se que as receitas não se perfilam, necessariamente, como papel químico da época desportiva, existindo situações conhecidas de antecipação das mesmas, sendo os direitos televisivos o exemplo mais recorrente; numa perspectiva distinta, a demonstração de resultados líquidos espelha a concorrência entre os montantes contabilizados de custos e proveitos.
Pretendo, apenas, deixar bem vincado que o rácio de 51% das receitas elegíveis pode ser passível de manipulação financeira. Aquilo a que muitos costumam denominar de contabilidade criativa. Para os mais curiosos nestas matérias, informo que o Orgão de Gestão de Licenciamento, da Federação Portuguesa de Futebol, ocupa-se, entre outros tópicos, dos procedimentos de admissão dos clubes às competições da UEFA. O Manual de Licenciamento pode ser acedido aqui.
Caso prático para a realidade nacional
Tendo como suporte o Relatório & Contas Consolidado 2007/2008 da Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD para o período de 1 de Agosto de 2007 a 30 de Junho de 2008, atente-se nos seguintes valores de receita (em milhares de euros):
Proveitos Operacionais
Publicidade e patrocínios = 9.726
Transmissões televisivas = 8.409
Prémios das competições europeias = 7.883
Quotizações = 7.848
Receitas de bilheteira = 7.686
Cativos = 2.868
Merchandising = 2.470
Outros = 2.613
Total (sem considerar transacções de atletas) = 49.503 - 49,5 m€
Notas adicionais importantes, retiradas do Relatório & Contas:
1. "O Grupo reconhece, como proveitos, cerca de 75% do valor líquido das quotizações de Sócios, que são proveitos da Benfica SAD ao abrigo do contrato de cedências dos direitos de exploração do Complexo Desportivo, no período a que estas se reportam".
2. "As receitas e prémios de jogos são reconhecidos em proveitos no período em que estes são realizados".
3. "O Grupo reconhece as receitas relativas a publicidade, patrocínios e outros direitos de acordo com o período de vigência do respectivo contrato".
4. "Naturalmente, no médio e longo prazo, deverá ser obtido um crescimento muito significativo das receitas operacionais quando chegar o momento adequado para a renegociação dos direitos televisivos".
Voltemos ao artigo publicado no 'Futebol Finance'. Conforme análise do autor, validam-se os dados apresentados:
- 51% das receitas (leia-se proveitos operacionais) 2007/2008: 49,5 m€ x 51% = 25.2 m€
- Gasto em jogadores 2008/2009: 25,3 m€
Contudo, subsiste a dúvida em saber qual a decisão dos dois organismos em relação às aquisições feitas a prestações e à integração das receitas provenientes da quotização.
Lei "salva calcio"
Introduzido pelo governo italiano, o decreto-lei n.º 282 de 24 de Dezembro de 2002 deu origem à Lei "salva calcio" n.º 27 de 21 de Fevereiro de 2003. Stephen Morrow, professor na Universidade de Stirling - Department of Sports Studies - debruçou-se sobre o impacto contabilístico, na realidade do futebol italiano, das prerrogativas admitidas pelo "salva calcio". Inicialmente, o decreto foi adoptado por quinze clubes: sete da série A (incluindo Inter, Lazio, Milão e Roma) e oito da série B, segunda divisão. Em traços gerais, esta disposição legal permitia aos clubes estender o período de amortização inicial, associado ao contrato de um jogador profissional entendido como um activo intangível da organização. No caso do valor de mercado, de determinado atleta, sofrer uma perda no valor de realização, o correspondente efeito não seria registado na demonstração de resultados do exercício. Principal consequência: sem a introdução legal deste arranjo, existia o risco elevado de vários clubes enfrentarem um cenário de insolvência - onde as dívidas excederiam os activos - pois as sociedades desportivas não estariam em posição para fazer face às amortizações, no curto prazo. Apesar das boas intenções (e o mesmo pode suceder quanto ao regulamento anteriormente referido), este tratamento contabilístico não escapou a algumas vozes mais críticas: o suporte legal deu azo a que diversos clubes mantivessem uma actuação inadequada, no exercício da gestão financeira - acréscimo de activos, aumento da massa salarial e consequente ampliação dos custos com amortizações - cedendo à tentação de mascarar as peças contabilísticas divulgadas. O princípio era claro: os clubes, ao serem encorajados a transaccionar acima da sua sustentabilidade de longo prazo, procuravam atingir rácios financeiros que cumprissem com o sistema de licenciamento imposto pela UEFA.
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