quarta-feira, 15 de setembro de 2010

[Champions League] 1.ª jornada: SL Benfica 2-0 Hapoel

O regresso do hino dos campeões ao Estádio da Luz. Futebolisticamente falando, a exibição encarnada não teve nota artística elevada. Porém, a este nível de exigência, devemos enaltecer a justiça do resultado e a conquista dos 3 pontos, muito importantes para os objectivos do clube. De facto, a equipa ainda não está a 'carburar' de acordo com os patamares atingidos na época transacta, mas a vitória nunca esteve em causa e o desempenho geral foi regular e seguro. Ao contrário de outros emblemas, com igual ou superior ambição na competição, começámos bem a nossa caminhada europeia. Por vezes, temos de ser pragmáticos. Tratou-se de uma exibição polvilhada com um toque de Catenaccio, na forma como a equipa controlou a posse de bola e o ritmo de jogo. Missão cumprida.

Infelizmente, as últimas partidas têm sido assoladas por questões de outro âmbito, nomeadamente erros de arbitragem ou, como foi o caso da noite passada, por um surrealista acontecimento entre o 'tribunal' da Luz e um dos jogadores que mais desperta sentimentos de amor-ódio. Refiro-me, obviamente, ao lance caricato protagonizado por Cardozo pelo que, chegado a este ponto, pretendo abrir um parêntesis. Ao contrário de algumas sensibilidades, neste espaço nunca foi meu intuito 'esconder-me' perante situações menos agradáveis: evitar azedumes e 'enfiar a cabeça na areia' não faz parte do ADN deste 'cantinho', principalmente por respeito à minha liberdade de pensamento. Aceito a crítica fundamentada, desde que realizada de maneira educada, sendo que apesar de inadvertidamente poder enganar-me, a minha lógica vai no sentido de defender (sempre) os interesses do clube a que pertenço como associado desde 1990. Que isto fique bem claro.

Posto isto, não quero deixar passar uma 'esponja' sobre o que aconteceu ontem frente ao Hapoel: depois do ponta-de-lança paraguaio marcar o segundo golo, aos 68' minutos, levou o dedo indicador esquerdo junto à boca e mandou calar os adeptos, que já por diversas vezes o tinham assobiado. Terá sido a primeira vez na história que um golo do Benfica foi assinalado na Luz com uma vaia monumental. Ponto prévio: não assobio jogadores do Benfica. Porquê? Por uma questão de princípio que tenho gosto em cumprir e porque, racionalmente, apupar um jogador é contraproducente para o próprio, prejudicando o grupo e, consequemente, o clube onde pontifica. É verdade que, em variadíssimas ocasiões, posso estar ansioso ou desagradado com o rumo dos acontecimentos, mas o registo do desabafo é sempre partilhado entre colegas de bancada e dentro dos limites do tolerável. Mais: acho inconcebível como se pode assobiar um jogador (Peixoto) acabado de entrar, só porque apetece descarregar no 'patinho feio' actual. Inacreditável.

No entanto, não posso (nem quero, felizmente) mandar nas reacções e comportamentos de todos os adeptos que marca(ra) presença no Estádio da Luz. Entre 6 milhões de simpatizantes e milhares de espectadores, imagino a parafernália de sentimentos e emoções. Quer queiramos, quer não, o assobio, o apupo, a vaia, faz parte integrante deste desporto. Sempre assim foi e, estou em crer, sempre assim será. Aqui, em Portugal, como no Brasil, em Espanha, ou noutro país qualquer onde uma bola seja disputada por 22 jogadores. Por isso, permitam-me que coloque a seguinte pergunta: se alguns (muitos) adeptos encarnados apuparam Cardozo, qual a razão para inocentarem os restantes companheiros? Que tenha dado conta, a equipa, no seu conjunto, não estava debaixo de um coro de assobios. Sim, não desculpa a reacção das massas, mas serve para reflexão. Uma coisa posso garantir: o nível exibicional do avançado paraguaio não é explicado, somente, por razões físicas; há motivos extra-futebol que o fazem estar mais 'desligado' do jogo e dos colegas. Para bom entendedor, meia palavra basta.

Deste modo, não posso ficar indiferente ao gesto protagonizado pelo homem-golo encarnado. A minha reacção foi enérgica, intempestiva e, quiçá, desproporcionada, mas se fosse hoje teria, muito provavelmente, a mesma atitude de contestação. Mesmo compreendendo os motivos emocionais do jogador, de maneira nenhuma aceito faltas de respeito dirigidas aos adeptos e, por acréscimo, à instituição em causa. Quantos jogadores são vaiados por esse mundo fora e quantos cometem a infelicidade de reagir desta forma? Sinceramente, causa-me algum transtorno observar que um jogador se julgue acima da crítica só porque marcou 26 golos numa liga em que a dinâmica dos colegas proporcionava cerca de dez oportunidades claras de golo por jogo. Ainda a semana passada faleceu uma velha glória encarnada com centenas de golos marcados de águia ao peito. Será que José Torres também mandava calar os sócios benfiquistas? Muito bem que as pessoas tenham gratidão e memória, mas também fazia bem 'olhar' para a história do clube e utilizar termos de comparação. Não tenho paciência para amuos e birras, ainda para mais vindos de quem se percebe que está de passagem. Não tenho feitio para bajular jogadores. A dimensão do Benfica é mais relevante que tudo o resto.

Para utilizar uma analogia interessante, termino com umas palavras de José Mourinho: «Quem quiser pode assobiar. Posso gostar mais ou menos, mas respeito. Trabalho para a satisfação total dos adeptos e pagam-me para trabalhar e não para criticar os meus adeptos. Nunca direi nada contra os adeptos do Madrid», acrescentou. Não deixa de ser curioso, vindo de quem costuma ser apelidado como arrogante, presumido e vaidoso. Diferenças de mentalidade? Talvez agora fique mais explícito o sentido da mensagem (humildade) incluída na tarja dos Diabos Vermelhos.

2 comentários:

PP disse...

Cattenacio, não podes comparar as palavras do Mourinho com a situação do Cardozo.

O Mourinho não vive entre a espada e a parede. Aliás, penso que nunca viveu e ainda bem para ele.

Já o Cardozo, tal como outros tem sido um patinho feio neste Benfica, o rapaz vive com as orelhas quentes e diga-se, não há ser humano, por mais profissional que o seja, que não acuse o toque. Sinceramente, até acho bem que ele reaja, que tenha o seu "grito de Ipiranga". Antes isso do que fazer como Balboas... i.e., mete os "phones" e tá na boa.

"Quem não sente, não é filho de boa gente!" por isso o que aconteceu com o Cardozo não me escandaliza e o seu pedido de desculpas, mal o jogo termina, acaba por demonstrar que ele tem uma boa índole. E é desse tipo de jogadores que precisamos: humildes a reconhecer o erro e capacidade de não entrega face a adversidade.

O povo Português em geral não sabe ver futebol. Aliás qualquer outro povo. Não sabe porque está com a mente cheio de falácias. Por exemplo: quando não se marca, exigem meter mais um avançado, mesmo que isso significa perder elementos construtores dos lances de ataque. Para os leigos, aquele que é lento mas que até faz uns bons passes é muito pior que um tipo rápido, mas que passa a vida a perder bolas fáceis. Em abono da verdade também há casos em que o "povo" tem razão e ajuíza bem. No entanto, tenho assistido a muitos erros protagonizados pela "rotulagem" que as pessoas fazem.

O Cardozo é um excelente avançado. O seu estilo de jogo é bem diferente de outros que existem na nossa liga, nomeadamente Falcao e Liedson. Estes dois são o protótipo dos avançados que os "portugueses" tanto gostam. Ou seja, são avançados mais móveis e que aparecem de forma furtiva nas áreas adversárias. Mas, por ironia das ironias, é o tipo de avançado que já não desejamos quando temos de defrontar adversários mais fortes fisicamente, mais fortes tacticamente e com defesas mais coesas. Para quem tiver dúvidas... faça uma breve análise por entre os clubes de topo europeu e mundial e depois digam qualquer coisa.

Falaste no Torres, que fazia bem uso ao sobrenome que possuia. Ele era exímio a fabricar espaços para que Eusébio podesse entrar. Isto quando não se entretia a fazer golos.

Ora Cardozo, é esse tipo de avançado se explorarem bem o potencial que ainda possui e que não foi devidamente lapidado. Na época passada, penso que melhorou imenso o seu jogo de "último passe", do jogo de tabela. Assim como na época de Quique Flores tenha notado uma evolução na finalização de cabeça. Ora o que falta ao Tacuara é uma melhor utilização do seu poderio físico, do seu jogo de costas para a baliza, da conquista dos lances aéreos quando de costas para a baliza e o de simplificar as decisões do passe.

Uma coisa é certa, ele pode ser lento, mas que aparece sempre no sítio certo para marcar isso ele faz!

Catenaccio disse...

PP,

Bons 'olhos' te vejam. Bom contributo. Vou tentar responder por etapas.

Claro que posso comparar a situação com o Mourinho. O 'special one' vive constantemente sob pressão, sempre com os holofotes do futebol a incidir sobre as suas palavras e comportamentos. Assim, o que não se pode comparar é a pressão a que um e outro estão sujeitos. E se o Mourinho não vive entre a espada e a parede, deve-se à sua personalidade, determinação e trabalho com os resultados que estão à vista.

Discordo completamente quanto a esses 'gritos de Ipiranga'. Como referi, posso não apreciar o hábito do assobio (até por ser contraproducente), mas seríamos ingénuos ao ponto de pensar que não faz parte integrante do espectáculo, aqui ou em qualquer outro pedaço de relva por esse mundo fora. Claro que os jogadores não gostam, na maioria das vezes por motivos egocêntricos, mas concerteza estão habituados a essas contrariedades e devem saber conviver com a crítica. Havia de ser bonito se todos os jogadores tivessem o mesmo tipo de reacção. Não é isso que observo.

Quanto à parte final do teu texto, nada a acrescentar. Descreveste, na perfeição, a diferença entre um homem de referência e um avançado móvel, para além de identificares (muito bem) o 'retrato' futebolístico de Cardozo. Esse excerto poderia funcionar como um bom manual para mentes mais desatentas. Também nesta caso, sinto-me à-vontade: sempre gostei do jogador, logo no 1.º ano de Benfica e vi potencial para ser um homem-golo que o clube não tinha há imenso tempo. Tenho tido esse debate com amigos e familiares desde essa altura, porque o seu jeito desengonçado e a ausência de colaboração com o jogo e a dinâmica dos colegas não colhe muitos adeptos.

No entanto, a minha crítica não se dirige à sua morfologia ou desempenho futebolístico. Só reprovo o gesto e a atitude. Ainda bem que parece ter ficado tudo sanado: o avançado paraguaio retractou-se, ainda, no campo, voltou a pedir desculpas oficialmente e os adeptos corresponderam no fim com uma salva de palmas (eu incluído). Portanto, fim de estória.

Abraço.