sábado, 23 de outubro de 2010

Reflexões sobre o 4x1x3x2 de Jorge Jesus

Apesar do timing pecar por tardio, o título está associado à derrota sofrida aos pé de Lisandro e Cª. Para todos aqueles que têm por hábito fazer uma análise SWOT (Strenghts, Weaknesses, Opportunities e Threats) da realidade actual, a partida de Lyon ainda faz parte de tertúlias e conversas de café sobre algumas vissicitudes tácticas.

Durante o desenrolar do jogo propriamente dito, os muitos sms's trocados com outros 'camaradas' benfiquistas tiveram o efeito inverso ao desejado: em vez de um paliativo capaz de me injectar esperança para os minutos finais, recebi palavras de desânimo que tiveram o condão de aprofundar o desgosto. Nos instantes finais, ansiava por uma explicação lógica, racional e objectiva que me devolvesse o sossego e tranquilizasse o espírito. Dito e feito: resolvi enviar uma mensagem a alguém com conhecimentos de sobra para responder às minhas inquietudes...

- «Caro L. F. Lobo, já é a segunda vez que Jorge Jesus tem a mesma abordagem (a meu ver, demasiado audaz) em jogos fora da Champions League. Por exemplo: quando vejo José Mourinho, no Real Madrid, a jogar em 4x2x3x1, com Khedira e Xabi Alonso e, depois, observo um meio-campo 'macio' com Aimar, Gaitán e Martins... algo deve estar errado. A tal dimensão (exigência) europeia não devia pedir outra estratégia? Ou os erros individuais explicam tudo?» A resposta chegou às 10:23 do dia 22 de Outubro.

Entre vários raciocínios teórico-futebolísticos, o conhecido analista deixa-nos 'pistas' para alcançarmos uma conclusão. Em primeiro lugar, ao escrever que o problema de "jogo global" - isto é, o equilíbrio entre todos os seus sectores - deste actual Benfica reside neste ponto. Nenhum dos seus três médios subidos tem características de recuperadores ou equilibradores defensivos após a perda da bola. Penso no trio de Lyon, o mais utilizado esta época: Carlos Martins, Aimar, Gaitan. Todos querem ter a bola, mas, apesar de se perceber que entram com a missão clara de correr atrás dela e, antes, pressionar de imediato o adversário quando a perdem (a tal "pressão alta") essa tarefa choca com a vocação natural de cada um. Em segundo lugar, ao referir que ao mesmo tempo, olhamos para como Mourinho, no Real Madrid, frente ao Milan, adopta um claro duplo-pivot de contenção (Khedira-Xabi Alonso) em 4x2x3x1, depois de ter sido campeão europeu, no Inter, com um "trivote" de duros médios defensivos, e percebemos melhor as regras competitivas que a "dimensão internacional" exige. Para terminar, Luís Freitas Lobo encerra o tema ao afirmar que o Benfica tem um estilo de jogo sedutor. Daqueles que quase resgata princípios de outros tempos na intenção ofensiva. O processo defensivo é, porém, demasiado sensível a qualquer falha de pressão individual que a espontaneidade criativa de Aimar, Carlos Martins e Gaitan tendem a cometer.

Então, o que falta ao Benfica para resgatar aquele futebol tão avassalador e vencedor da época transacta (esqueçam Ramires e Di María)? Uma análise SWOT. Em primeiro lugar, Jorge Jesus necessita de tomar decisões a nível interno. Quais as forças (strenghts) do actual modelo de jogo? Quais as fragilidades (weaknesses) inerentes ao 4x1x3x2 com os jogadores disponíveis? O que será preferível para futebol encarnado? Escolher uma ala esquerda formada por César Peixoto e Fábio Coentrão ou recuar o internacional português para a posição de lateral e insistir na fórmula Gaitán como médio-ala? Fará sentido conciliar Airton e Javi García na zona central do terreno, de forma a incrementar o posicionamento defensivo e dotar a equipa de maior consistência? Em segundo lugar, o treinador precisa de acautelar cenários externos. Quais as oportunidades (opportunities) que surgem num horizonte próximo? Quais as ameaças (threats) que se encontram ao virar da esquina? Por outras palavras, como tirar partido dos pontos fortes que existem no plantel? Será prioritário começar já a pensar na oportunidade chamada 'mercado de Inverno', ou existem soluções para todas as situações e circunstâncias de jogo? Por outro lado, quais são as principais ameaças propostas pelo adversário seguinte? O nível competitivo sugerido pelo Lyon será idêntico ao que o Portimonense pode apresentar? São questões em aberto para os leitores.

Uma coisa é certa: quanto mais cedo o Benfica concluir este processo de auto-conhecimento futebolístico, melhor. Como em todas as equipas, existem pontos fortes e fracos a serem explorados pela 'concorrência': tanto no plano mental, como na vertente táctica. Esta reflexão colectiva, personalizada em Jorge Jesus, terá de ter em conta o ambiente particular de cada desafio, impondo a necessária flexibilidade estratégica sem porém descaracterizar o modelo de jogo. A tarefa não se afigura fácil. Os próximos jogos é que vão ditar se o actual 4x1x3x2 serve para ultrapassar todos os adversários, em todos os relvados e em todas as competições.

5 comentários:

Antonio disse...

Meu caro Catenaccio. Antes demais gostaria de lhe dizer que o seu blog é um dos que mais aprecio na blogosesfera benfiquista, dada a serenidade e sapiência com que é escrito.

Em relação a esta questão do sistema de táctico de JJ para o Benfica, tenho, para mim, que para voltarmos a apresentar o futebol do ano passado (brilhantismo e consistência), só exisem duas alternativas:

- ou contratamos algum jogador com caracteristiicas idênticas às do Ramires (tivemos um quase contratado que foi o Wesley-vidé jogos do Werder Bremen em que as suas prestações são em tudo idênticas às do Ramires);

- em alternativa mudamos de esquema táctico de maneira a ser mais consentâneo com os jogadores do plantel deste ano. Neste caso,parece-me que o melhor sistema será um 4-2-3-1, com uma dinamica idêntica à que existe no Arsenal.

Catenaccio disse...

António,

Registo o elogio que muito agradeço.

Sim, no geral concordo consigo:

- Ramires era o dínamo das transições defesa/ataque/defesa, o elo de ligação entre o meio-campo defensivo/ofensivo e muito importante no equilíbrio do colectivo com, e sem, bola;

- a opção por um 4x2x3x1 poderá resultar - ou revelar lógica teórica - em situações de maior exigência, como jogos fora de casa em partidas da champions league. Porém, não gostaria de ver uma possível saída de Saviola, deixando Kardec/Cardozo sozinho na frente. No meu entender, a chave está no trio de meio-campo 1x3 que pisa terrenos de construção/organização. Pelo menos um deles terá de transmitir maior consistência em termos de posicionamento defensivo.

Abraço.

Antonio disse...

Catenaccio, quando me refiro ao sistema 4-2-3-1 e à sua dinâmica tem que ver com isso mesmo, não deixar o Cardoso\Kardec sozinnho na frente.

Para mim, essa disposição em campo só faz sentido quando se defende. Em situação de ataque este terá de se transformar num 4-3-3, em que o trio atacante deverá apresentar grande mobilidade

LF disse...

Caro Catenaccio,

Concordo plenamente.
Escrevi no próprio jornal do clube um texto em que defendia que a Liga dos Campeões exigia outro calculismo e outra prudência.
E disse-o também na Benfica TV, no último "A Jornada" em que fui convidado.

Acho que em Gelsenkirchen o Benfica foi demasiado romântico, e se tem empatado ambos os jogos a zero, estaria agora numa posição ultra-confortável.
O próprio discurso de Jesus foi inadequado, desvalorizando o adversário.

No entanto, creio que neste jogo em casa, com o mesmo Lyon, se exceptuarmos os 15 atípicos minutos finais, tivemos um Benfica já mais consciente da necessidade de fechar as portas ao adversário.
Salvio e César Peixoto (ele mesmo) foram talvez as chaves para uma maior capacidade de transicção defensiva.

Um abraço

Catenaccio disse...

Caro LF,

Sempre um prazer contar com a tua visita e comentário. Ainda está bem viva na memória aquele magnífico texto intitulado "Os Bobos da Corte".

Antes de mais, é possível rever esse programa - 'A Jornada' - da Benfica TV? Há algum link disponível?

Quanto ao sistema/modelo de jogo implementado por Jorge Jesus, penso que deveria ser considerada uma flexibilização táctica face à qualidade dos opositores, aliada a um discurso quiçá mais adequado com a realidade da competição. A tal análise SWOT (pontos fortes, fracos, ameaças e oportunidades) que referi.

Em relação a este último jogo frente ao Lyon julgo que, uma vez mais, as circunstâncias da partida exigiam uma abordagem mais cautelosa. Nada a dizer, obviamente, quanto aos 75 minutos iniciais: presenciámos o Benfica de 2009/10 e poucas equipas na Europa poderiam chegar a um resultado de 4-0. No entanto, não se compreende qual a lógica por trás de 3 substituições, quase simultâneas, de jogadores com fraca rodagem e ritmo/competitividade de jogo. A verdade é que os 15 minutos finais poderiam ter deitado tudo a perder. Novamente, repito, por alguma falta de realismo táctico.

Por fim, concordo com a esse fundamento inicial associado a Salvio e César Peixoto, embora o argentino careça de intensidade (e características intrínsecas) para a fase da transição defensiva. Sinceramente, por muito que Jorge Jesus tentasse imprimir um 4x1x3x2 com o bloco médio-baixo, o pensamento individual táctico dos jogadores (Salvio, César Peixoto, Felipe Menezes, Jara e Weldon) mais aproximavam o sistema de um 4x1x5 demasiado "partido" a meio-campo. A meu ver, impunha-se a entrada de Airton, para como se diz em linguagem futebolística "meter gelo" no jogo. No fundo, é o que Mourinho faz. Pode não ser bonito (romântico), nem por vezes bem entendido pela tribuna, mas resulta mais eficaz.

Grande abraço.