sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

[Uefa Cup 1/16] SL Benfica 1-0 Nuremberga

Em dia de S. Valentim, não foi desta que a equipa do Benfica conseguiu criar um ambiente de enamoramento com os adeptos. O resultado abre boas perspectivas para a partida da 2.ª mão, a realizar no Frankenstadion a 21 deste mês. Porém, a exibição colectiva dos encarnados esteve longe de ser feliz.
José António Camacho acabou por fazer a vontade à plateia: dois avançados no onze titular - Ariza Makukula (autor do golo) e Óscar Cardozo - num desenho táctico próximo do 4x4x2 clássico. Dando razão às convicções iniciais do treinador, a coexistência das duas torres vermelhas veio condicionar a fluidez de jogo a meio-campo. A dupla raramente funcionou, sendo um dos motivos para uma performance global aquém do nível que se espera e exige. Neste momento, importa debater o seguinte: será praticável adoptar o 4x4x2 como esquema preferencial, em detrimento do 4x2x3x1?
A resposta está no timing de implementação. Mudar o sistema táctico, a meio da época, implica riscos acrescidos no modelo de jogo. Não julgo ser incompatível a presença de dois avançados com características muito semelhantes, mas há que trabalhar mecanismos de entrosamento. Só através do treino, será possível aos jogadores assimilarem novos movimentos na forma de atacar, de forma a conciliar o raio de acção dos avançados. Façamos, de seguida, uma analogia com o xadrez.
Não há dúvida que as duas torres - Ariza Makukula, 190cm e Óscar Cardozo, 193cm - bem apoiados pela dinâmica da zona intermediária, podem ser devastadores em certas circunstâncias. Curiosamente, tal como no tabuleiro de 64 casas, estas torres encarnadas não apresentam argumentos para realizar diagonais e acabaram por chocar contra uma muralha de peões alemães.
Para contrariar esta menor vocação de mobilidade (que falta faz um jogador como Miccoli), espera-se que os bispos - Nuno Assis, à direita e Cristián Rodríguez, à esquerda - sejam os elementos desequibradores, realizando diagonais, da faixa para o centro e vice-versa. As entradas posteriores de Di María e Freddy Adu perseguem o mesmo objectivo, apenas variando nos meios utilizados: incremento de profundidade nas alas, privilegiando jogadas de 1x1 e nunca descurando a potencialidade de uma transição ofensiva rápida.
Continuemos a seguir a linguagem xadrezística. Quando o adversário coloca a maioria das peças à frente do rei - leia-se baliza - posicionando-se atrás da linha da bola, resta uma solução desestabilizadora: fazer bom uso da imprevisibilidade de movimentos de um cavalo. Na partida de ontem à noite, mais do que um cavalo, foi graças a um cavaleiro de 35 anos, criativo e inteligente, que o bloco defensivo abriu uma brecha para o remate de Makukula.
No futebol, tal como no xadrez, fica a lição: duas torres podem ser muito úteis, mas por vezes é um cavalo que dá xeque-mate. Termino com esse momento mágico de Rui Costa.

5 comentários:

Ricardo disse...

Belíssimo texto e belíssima analogia, catenaccio. Continua a escrever sobre futebol porque revelas conhecimentos e capacidade para os transpores para uma ideia escrita.

O futebol do Benfica tem, neste momento, várias problemas, além do maior - Camacho:

- Um trinco em fora de forma. Se Camacho quer continuar a apostar no 442, terá de substituir Petit por alguém com maior intensidade na zona central do terreno. Binya, não sendo a solução perfeita, é o jogador que, dentro do plantel, mais próximo estará de se enquadrar no esquema.

- A extrema-direita. Maxi Pereira é um erro de casting para o lugar. E um erro que persiste há 6 meses. Rodríguez poderá fazer o lugar, aproveitando as diagonais para usar o seu melhor pé, o esquerdo; Di María não consegue jogar com a mesma qualidade à direita; Assis, como jogador inteligente, consegue criar espaços e "queimar" linhas, mas é evidente que o seu lugar é a "10". Propunha a Camacho que experimentasse trocar Nélson por Maxi Pereira. Tenho para mim que o uruguaio é um bom lateral-direito e não seria descabido procurar aproveitar a velocidade e a capacidade de cruzamento (da primeira época) de Nélson.

- Rui Costa. Parece absurdo, mas é um problema. Se ao mesmo tempo é o único que desequilibra, por outro lado é um jogador que precisa de vir de trás, não podendo estar a apoiar um único avançado. Ora, vindo de trás, frequenta zonas do terreno que exigem uma maior pressão e intensidade de jogo nos momentos defensivos, predicados que o Maestro não tem.

- Na frente, torna-se evidente a necessidade de jogar com apenas uma das duas torres (eu prefiro Cardozo, indo metendo Makukula 25, 30 minutos por jogo) e um avançado móvel. Gostaria de ver Adu nessa posição, mas Camacho não pensa da mesma forma.

Abraço

Catenaccio disse...

Caro Ricardo,

Agradeço as visitas e as palavras elogiosas.

Sobre o Benfica, muito haveria a escrever e debater. Por ora, prefiro centrar-me nos aspectos tácticos, com natural incidência no modelo de jogo.

Concordo com a análise que fez, nomeadamente sobre as escolhas técnicas o melhor posicionamento dos jogadores. Acrescentaria mais alguns pontos.

Em primeiro lugar, esta equipa parece mais talhada para jogar em 4x2x3x1 (sistema que não aprecio) ou 4x4x2 losango. No sistema ´dito clássico, o Benfica apresenta dois problemas:

1 - Complementaridade dos dois avançados, pois funciona melhor a coexistência de um avançado móvel com um target man;

2 - Intensidade competitiva dos homens da zona intermediária, exigindo um papel de box-to-box aos médios centro. Depois, como optar entre Petit, Katsouranis, Rui Costa, sem esquecer os lugares nas faixas?

Eu preferia que o Benfica apresentasse um modelo de jogo baseado no 4x3x3 ou no 4x4x2 losango. Até dá para imaginar o que seria este plantel nas mãos do Engenheiro. Imagine-se este onze (substitutos entre parântesis):

GR Quim (Moreira)
DD Nélson
DC Luisão
DC David Luíz
DE Léo
MD Petit (Bynia)
Interior D Katsouranis (M. Pereira)
Interior E Rui Costa (N. Assis)
N.º 10 Di María? (C. Rodríguez)
A Cardozo (Makukula)
A Nuno Gomes (F. Adu)

Só um apontamento final. Também eu prefiro Cardozo a Makukula. Aliás, caso o paraguaio deixe o clube, no final da época, ainda o veremos marcar muitos golos noutro emblema europeu.
Relativamente a Makukula, não julgo benéfico, para o próprio e para o balneário, chegar, treinar uma ou duas vezes e logo conquistar a titularidade. Antigamente, um jogador do Benfica tinha que percorrer um caminho paciente, a assimilar a cultura do clube e só no momento certo poderia acalentar a entrada no onze titular. Um pouco à semelhança de Ernesto Farías. No Benfica, é tudo muito fácil. Devia haver mais exigência para quem veste a camisola vermelha.

Cumprimentos.

Ricardo disse...

Revejo-me de forma absoluta na análise que fazes; que, aliás, vai ao encontro da minha, complementando-a, como dizes.

Pensei muito, no princípio de época, na forma como Fernando Santos faria evoluir a equipa e cheguei exactamente à mesma conclusão que tu, variando apenas num ponto: Rui Costa tanto poderia fazer de interior esquerdo como de «10», ou seja Rodríguez (Di María) estaria em constante mutação com o Maestro, ao longo do jogo. Esse facto permitiria a Rodríguez deslocar-se à ala esquerda e, nessa ocasião, fazer subir Rui Costa a terrenos mais próximos dos avançados - no fundo o que ele faz tão bem, que é entrar em progressão, desequilibrando as marcações (veja-se o golo contra o Nuremberga, ontem). Foi nesse momento, em que pensei o 11 que FS usaria que entendi as claras limitações de Camacho. Não soube aproveitar as rotinas que a equipa trazia do anterior treinador; facto mais grave, se entendermos que o 442 losango consegue fazer sobressair de uma maneira mais racional os jogadores que Camacho tinha (e tem) à disposição. Para que esse 11 que apresentas, e com o qual eu concordo, tivesse resultados, seriam necessários entrosamentos treinados exaustivamente ao longo da época. Não sei qual a tua opinião sobre o espanhol; eu acho-o muito fraco. Demasiado fraco, mesmo. E até os predicados motivacionais que trouxe na primeira passagem pelo clube, dá ideia de os ter perdido.

Quanto a Cardozo, não tenho dúvidas de que, não sendo aproveitado como deve (e isso está, neste momento, a acontecer), sairá e será um homem-golo de grande qualidade por essa Europa...

Não podia estar mais de acordo em relação ao que dizes sobre a exigência que deve existir antes de um jogador usar a camisola vermelha. Lembro-me bem de Schwarz, que passou duas épocas na equipa B para, finalmente, entrar e mostrar toda a sua classe. Antes, no Benfica, havia um núcleo duro que integrava, paulatinamente, os jogadores que chegavam, mostravam-lhes o que o Benfica. Agora chega-se na quarta, treina-se na quinta e joga-se a titular na Sexta. Essa falta de método e de dificuldade, não tenho dúvidas, favorece o insucesso a longo prazo de qualquer clube. E se o nosso passa por uma crise profunda, em termos desportivos...

Paulo Santos disse...

Excelente texto,e muito boa a analogia com o xadrez.

O único reparo que faço, é que falas no modelo de jogo da equipa. Qual modelo? Ainda não vi nenhum em 6 meses, a não ser o recorrente pontapé para a frente onde agora em vez de uma torre estão duas...

Camacho é mau demais! Na minha opinião, o espanhol deveria ir já embora. Entregava-se a equipa a um homem que está na estrutura do Benfica e que é excelente treinador, teentando-se assim salvar o que resta da época. Entretanto ia-se fazendo o planeamento da próxima época com o tempo necessário para isso.

Mas acho que LFV não terá o arrojo necessário para isso, e teremos que gramar com o espanhol das ganas até ao final da época, isto na melhor das hipóteses...


Abraço

Paulo Santos disse...

No comentário anterior quando falei em entregar a equipa a um homem que já está na estrutura, referia-me a João Alves.