terça-feira, 27 de maio de 2008

Quique Sánchez Flores

Os leitores mais fiéis já deviam estranhar não ter escrutinado sobre a novela da escolha do treinador encarnado. Pois bem, depois de no passado sábado o universo benfiquista ter ficado a conhecer Quique Flores, as próximas linhas são dedicadas ao novo treinador do Sport Lisboa e Benfica.
Vamos directos à questão central: fiquei satisfeito com a contratação do treinador espanhol? De certa forma, posso afirmar que concordo com a opção tomada. Acredito que não me ofereça garantias de perspectivar uma época tranquila, mas creio que tem condições para que a ilusão de vitórias ganhe consistência. Comparativamente a outros nomes, primeiras escolhas ou não, gostaria de expressar a seguinte opinião: apesar de considerar que ficaria mais entusiasmado com Laudrup, durmo mais tranquilo com a ambição de Quique, em oposição com o distanciamento manifestado por Eriksson. Os motivos não têm a ver com aspectos ligados à competência. Digamos que é uma razão ligada a convicções pessoais. Chamem-lhe intuição.
Sem querer distanciar-me do propósito do artigo, que fique bem ciente que o treinador é, variadíssimas vezes, um homem solitário. Também sem uma estrutura profissional que suporte o seu trabalho, será difícil pensar em vitórias. A este respeito, sugiro a leitura da crónica organograma funcional da Benfica Futebol SAD. Não pretendo perder mais tempo com esse tema, mas não poderia deixar de contextualizar a acção individual do treinador com a dinâmica colectiva do departamento de futebol. Posto isto, sem questionar (para já) a constituição da restante equipa técnica, centremos a nossa atenção no título do tópico: Quique Sánchez Flores.
Apontamento inicial: não conheço, em detalhe, o conceito de futebol preconizado pelo treinador espanhol. Uma coisa são os dados relativos à carreira, incluindo o percurso profissional e os resultados alcançados. Sobre esse aspecto, a imprensa desportiva já traçou o devido perfil. Torna-se, portanto, escusado repetir o que já foi escrito. No entanto, é sobre o mundo das ideias, do modelo de jogo e da concepção táctica que gostaria de partilhar pensamentos. A esse respeito, chamo à consideração Luís Freitas Lobo. Saltemos de parágrafo.
No entender do conhecido analista português, a contratação de um treinador deve respeitar critérios de competência, de forma a que a explanação de qualidades técnicas vá de encontro à ideia futebolística do clube. Esquecendo a parte financeira, sempre subjacente à escolha da equipa técnica, a minha dúvida reside no seguinte: como medir essa competência individual? Através do mundo dos conceitos e das ideias? Através do futebol praticado no relvado? Através dos resultados? Não deixando de concordar com Luís Freitas Lobo, os atributos qualitativos não podem ser dissociados da prática resultadista. Na minha perspectiva, o primeiro aspecto representa os meios, enquantos os resultados são o espelho dos fins propostos e marca quantitativa na avaliação da competência.
Sobre Quique Flores, para além da sua personalidade e capacidade de liderança, o que importa conhecer? Diria que há atributos mentais e de treino a merecer uma abordagem atenta. Salienta-se:
- Adaptabilidade a uma nova realidade;
- Avaliação da capacidade actual e potencial do jogador;
- Conhecimentos tácticos;
- Determinação e motivação;
- Nível de disciplina;
- Gestão de Recursos Humanos; e
- Trabalho com jovens.
O passado do treinador espanhol dá-nos esperança sobre a forma como idealiza o modelo de jogo, gere o plantel e constrói um onze competitivo para as batalhas no rectângulo verde. Por estarmos a viver um tempo de mudança, com prevísiveis entradas/saídas, os benfiquistas esperam que Quique Flores tenha a sensibilidade técnica suficiente para escolher as peças certas para a máquina do futebol. A experiência anterior, assente na "descoberta" de Gavilán e Raúl Albiol, pode significar um bom ponto de partida.
Quanto à óptica eminentemente táctica, as preferências do novo treinador encarnado são do domínio público: esquemas baseados no 4x4x1x1 (no Getafe) e 4x2x3x1 ou 4x4x2 clássico (no Valência), aliados a uma concepção que privilegia o rigor defensivo, o futebol apoiado e a rapidez nas transições ofensivas. De um modo geral, o retrato está feito.
Fundamental será observar os primeiros meses de trabalho, de maneira a estendermos o conhecimento sobre o modelo de jogo que caracterizará o Benfica do futuro. Refiro-me, nomeadamente, à noção primordial acerca da metodologia de treino e a estratégia respeitante ao tipo de pressão (em largura, em profundidade, zona pressionante baixa, média, alta) e tipo de marcação (homem-a-homem, à zona, mista).
Para terminar, uma curiosidade. Li algures que Quique Flores é adepto de um jogo de simulação estratégica, intitulado PC Fútbol. Diga-se que, nos meus tempos de Faculdade, era um fanático por este belíssimo título da Dinamic Multimedia. Foram imensas horas a vestir a pele de treinador. Anuncio que tenho em meu poder uma versão mais recente, respeitante a 2007. Assim, em jeito de brincadeira, deixo o desafio ao novo "manager" encarnado: Quique, se pretenderes iniciar uma nova competição, prepara-te para sofrer, mas se preferires testar umas variantes tácticas, podes contar com a minha colaboração.

5 comentários:

Tiagojcs disse...

A ver vamos como correra este novo benfica . Tenho fé e esperança !

Anónimo disse...

Sánchez Flores, hombre serio, gran profesional

César disse...

Porreirissimo o texto. Uma coisa que tenho estado a pensar em relação ao técnico, é se ele vem para implementar o tão afamado 4-3-3 pré-concebido pela estrutura do Benfica...

Catenaccio disse...

Obrigado pelos comentários, até ao momento.

César,

Ainda existe muito nevoeiro sobre esse assunto.

Se olharmos para o passado de Quique Flores, reparamos que tem dado primazia a sistemas como o 4x4x1x1, 4x2x3x1 e 4x4x2 clássico. Por sinal, tanto no Getafe, como no Valência, não creio que tenha experimentado o 4x3x3 de forma consistente.

Agora, sabe-se que o treinador espanhol é estudioso e meticuloso nas questões tácticas, tendo conhecimentos para manejar diversas variantes.

Tudo depende do plantel que terá à sua disposição. Só através das expectáveis entradas/saídas é que poderemos começar a observar o desenho táctico que será implementado.

Obviamente que algumas "pistas" começam a dar nitidez ao esboço. A preferência por médios centro, assente nas hipóteses Hassan Yebda e Albelda, a que se juntam Ruben Amorim, entre muitos outros, levam a pensar que o 4x4x2 clássico poderá ser o esquema prioritário.

Também não é pacífico que se contrate um n.º 10. Quique já disse que não é crucial ter um jogador dessas características, porque um dos médios box-to-box ou um dos avançados pode preencher essa posição, mediante as circunstâncias da própria partida.

Nuno disse...

Catennacio, também preferia Laudrup. Em relação ao Quique Flores, desconheço os métodos de trabalho, mas lembro que o Hugo Viana, que trabalhou com ele e nunca foi primeira opção, teceu rasgados elogios aos mesmos. Nesse contexto, creio, Quique poderá ser a opção certa, com ideias e métodos modernos. Aquilo que me faz torcer o nariz ao treinador espanhol é, porém, as suas opções tácticas. No Valência, o 4231 foi sempre um plano B. O seu esquema é o 442 e não estou a ver a equipa jogar de outra forma. É adepto claro de um duplo-pivot defensivo e esses jogadores têm por missão meramente defender. Lembro-me de ver, por mais do que uma ocasião, Marchena e Albiol no meio-campo, isto é, dois centrais de raíz. Isto implica que, para Quique, uma equipa tem jogadores para defender e jogadores para atacar, ficando o segundo papel entregue aos alas e aos avançados. Discordo, contudo, numa questão: acho que o seu futebol não é apoiado. É assente em duas linhas de 4 homens, muito juntas, quer seja num bloco baixo, quer seja num bloco médio-alto, e em transições rápidas, mas não num futebol apoiado. Aliás, não consigo conceber um futebol que assente em transições rápidos e que seja, ao mesmo tempo apoiado. No seu Valência, fazia uso das transições pelas alas, com Angulo, Joaquin, Vicente e Silva, a serem preponderantes na forma como a equipa chegava à frente. Aliás, num esquema assim, só a qualidade individual pode permitir a qualidade das transições rápidas. O seu Valência era uma equipa forte porque defendia de forma organizada e tinha jogadores que, a título individual, eram capazes de suprir as deficiências colectivas do momento ofensivo. Ora bem, acho demasiado redutor uma equipa confiar na inspiração individual dos jogadores (isto em qualquer equipa do mundo), e, além disso, não reconheço ao Benfica jogadores com talento suficiente para tais tarefas. Daí que preveja que o futebol encarnado, na próxima época, não venha a ser muito diferente daquele que Camacho conseguiu, talvez com mais organização defensiva e com transições defesa-ataque mais bem definidas, mas igualmente partido, com os momentos separados. Não digo que a equipa seja tão previsível como a de Camacho, mas não acredito que consiga ser bem sucedida, pois Quique prefere claramente uma estrutura de meio-campo que lhe garanta rigor defensivo e não um jogo em apoios, o que obriga a que as soluções ofensivas se reduzam a soluções individuais.